A flexibilidade do corpo é um dos aspectos físicos que, muitas vezes, é negligenciado no dia a dia, mas um estudo recente revela que essa característica pode ser um indicador crucial da nossa longevidade. Imagine o seguinte: quão bem você consegue alongar, dobrar e utilizar toda a amplitude de movimento das articulações, tendões e músculos do seu corpo? A resposta pode revelar mais sobre sua expectativa de vida do que você imagina.
Essa revelação vem de uma pesquisa realizada no Brasil, liderada pela Clínica de Medicina do Exercício (Clinimex) no Rio de Janeiro, em colaboração com instituições renomadas do Reino Unido, Estados Unidos, Finlândia e Austrália. Publicada no periódico acadêmico Scandinavian Journal of Medicine & Science in Sports em 21 de agosto de 2024, a pesquisa analisou dados de 3.139 homens e mulheres com idades entre 46 e 65 anos ao longo de um período médio de 12 anos. Durante esse tempo, 302 participantes faleceram, o que levou os pesquisadores a explorar a relação entre flexibilidade corporal e mortalidade.
Após uma série de ajustes estatísticos, que excluíram mortes causadas pela COVID-19 ou por fatores externos como violência e acidentes, os pesquisadores chegaram a uma conclusão intrigante: a flexibilidade está inversamente associada à mortalidade. Em outras palavras, quanto menos flexível você for, maior é a probabilidade de viver menos.
A Flexibilidade e Seus Desdobramentos
O que exatamente significa ser flexível? E por que isso é tão relevante para a nossa saúde e longevidade? O Dr. Claudio Gil Araújo, diretor da Clinimex e autor principal do estudo, explica que a flexibilidade é uma das poucas variáveis físicas que começamos a perder logo após o nascimento. “Uma criança de dois anos praticamente atinge o pico de flexibilidade, e a tendência é que isso só piore com o tempo”, afirma Araújo.
Flexibilidade, no entanto, não é um conceito homogêneo que se aplica igualmente a todo o corpo. Uma pessoa pode ter ombros bastante flexíveis, mas um quadril rígido, por exemplo. Isso é observado até mesmo em atletas de alto nível, como nadadores que possuem grande flexibilidade nos ombros e tornozelos, mas pouca no tronco, em contraste com ginastas que precisam de flexibilidade total no tronco para realizar suas acrobacias.
No estudo, flexibilidade foi definida como a amplitude máxima de movimento de uma articulação específica. Para avaliar esse aspecto, a equipe utilizou o Flexitest, um método criado pelo próprio Dr. Araújo durante seu doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) na década de 1980. Esse teste mede 20 movimentos realizados por sete articulações diferentes, como tornozelos, joelhos, quadris, tronco, punhos, cotovelos e ombros, atribuindo notas de zero a quatro para cada movimento.
O resultado final, que soma as notas obtidas em cada articulação, gera um índice global de flexibilidade do corpo. Esse número pode ser comparado aos valores esperados para cada faixa etária, indicando se a pessoa está acima, abaixo ou dentro da média.
Flexibilidade e Longevidade: Uma Conexão Intrigante
Mas por que a flexibilidade está associada à longevidade? O estudo não foi projetado para estabelecer uma relação de causa e efeito, mas permite algumas especulações. Araújo observa que pessoas com menor flexibilidade tendem a ter menos mobilidade e autonomia, o que pode levar a um aumento no risco de quedas e, consequentemente, a uma vida mais sedentária e menos independente. “É um círculo vicioso: a inatividade física prejudica a flexibilidade, que piora cada vez mais, levando a uma qualidade de vida reduzida”, explica.
A escolha da faixa etária de 46 a 65 anos para o estudo não foi aleatória. Como brinca Araújo, “até os 45 anos, ainda estamos na garantia de fábrica”. Após essa idade, é quando os efeitos de um estilo de vida sedentário começam a se manifestar mais claramente, tornando-se o momento ideal para avaliar o impacto da flexibilidade na saúde.
Bruno Gualano, fisiologista do exercício e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), aponta que a longevidade pode ser influenciada por uma série de outros fatores físicos além da flexibilidade. Ele sugere que pessoas que praticam exercícios aeróbicos e de força, como caminhadas, corridas e musculação, tendem a melhorar sua flexibilidade como um efeito colateral desses treinos, o que poderia explicar parte da associação entre flexibilidade e longevidade observada no estudo.
Flexibilidade: Deve Ser um Foco Específico?
Gualano levanta questões importantes sobre a necessidade de treinos específicos de flexibilidade. Ele argumenta que, dado o tempo limitado que a maioria das pessoas têm para praticar atividades físicas, seria mais eficiente focar em treinos que englobam várias capacidades físicas ao mesmo tempo, como força e amplitude de movimento. No entanto, Araújo oferece uma perspectiva diferente, destacando que, segundo o princípio da especificidade do treinamento físico, se queremos melhorar um aspecto específico, como a flexibilidade, devemos treiná-lo diretamente.
A personalização das recomendações de exercícios é vista como uma estratégia mais eficaz por Araújo, que defende a adaptação das atividades físicas às necessidades individuais de cada pessoa. Isso contrasta com as diretrizes gerais da Organização Mundial da Saúde (OMS), que recomendam pelo menos 150 minutos de atividade física aeróbica de intensidade moderada a vigorosa por semana, além de treinos de força ao menos duas vezes por semana. Essas diretrizes visam uma abordagem mais universal, enquanto Araújo sugere que uma atenção personalizada pode ser mais benéfica.
O Papel do Sedentarismo
Um aspecto que ambos os especialistas concordam é a necessidade de combater o sedentarismo. O estilo de vida sedentário é visto como um dos principais vilões da saúde moderna, associado a uma série de condições graves, como obesidade, doenças cardíacas e até mesmo câncer. A OMS estima que um terço dos adultos em todo o mundo, e 81% dos adolescentes, não praticam atividade física suficiente, o que torna a promoção de qualquer forma de movimento um imperativo de saúde pública.
Em resumo, a flexibilidade pode ser mais do que uma simples questão de se sentir ágil e confortável; ela pode ser um indicador crucial da sua longevidade. Embora ainda sejam necessárias mais pesquisas para entender plenamente essa relação, as evidências até agora sugerem que manter o corpo flexível pode ser uma das chaves para uma vida mais longa e saudável. Portanto, na próxima vez que você pensar em pular a sessão de alongamento, lembre-se: a sua vida pode literalmente depender disso.